Visitas


Nas faldas da Mantiqueira, abaixo do majestoso Pico dos Marins, tem um bairro. Antigo, muito antigo, cujo nome informa que foi refúgio e espaço de liberdade: Quilombo. Passa por um ele um rio, M´baú, ou Rio Embaú. Forma um pequeno vale, dentro do grande Vale do Paraíba. Um microcosmo. Nasci aí. Nosso sítio, fração de herança do meu bisavô, fica às margens desse rio. O Rio Paraíba, a cumeeira da Mantiqueira, o Rio Embaú, e as estradas que vieram depois – “caminho de ferro entre Rio e São Paulo” e a Via Dutra, são linhas paralelas, que acabaram me dando a impressão que o mundo era organizado linearmente.

Passei minha infância às margens do rio, à sombra das árvores, correndo (de bicicleta) atrás dos gansos, perseguindo-os até que pulassem n´água, dando pelotadas em tico-ticos (um único que feri, me matou de remorsos), aloitando (não me lembrava mais desta palavra) com meu cachorro no campinho em frente e à esquerda de casa, que o papai mandou aplainar quando abriram a estrada nova, ouvindo estórias de assombração, vendo os raios (sem poder falar esse nome) em dias de tempestade (por uma gretinha das janelas com tramelas) e contando os segundos para calcular há que distância tinham caído, observando o vôo dos urubus, que se chamavam corvos.

Domingo era um dia especial: dia de galinha que mamãe fazia de forma inigualável, às vezes dia de guaraná, de terreiro imenso, totalmente varrido por minha irmã, de sol, de missa ao meio-dia, celebrada por um padre santo – Hugo Greco - e, de visitas!

Meu tio vinha da cidade, com os primos, prima, carro, novidades, movimento. Brincadeiras, assuntos novos, barulhos, risadas; suplício dos bichos e das laranjeiras, dia de enganar os da cidade com limão cravo parecido com tangerina, de mostrar como se caçava passarinho e de aprender a empinar pipas e papagaios (balão, que eu sempre quis saber fazer, ninguém sabia ensinar).

Depois do almoço, começava a tarde e já se prenunciava a tristeza: o ritmo diminuia, as corridas menos rápidas, as novidades esgotadas, o sol ia se pondo. Todo mundo na caminhonete, despedidas, acenos. Iam ficando pequeninos, lá longe, até sumir na curva no alto do morro. E nós ficávamos, com o poente e a solidão. Os últimos comentários, “viu como...?”, iam se extinguindo devagar, e o sol se punha.

Aqui também tem visitas. Os amigos, os familiares, vêm - fisicamente ou pela internet, e depois, o sol se põe.

Comentários

Anônimo disse…
Joffre,
parabéns pela narrativa, vê-se que sua infância está muito viva dentro de vc. E o melhor é que pessoas que cultivam e guardam suas histórias, jamais se esquecerão de suas raízes.
Deu lhe abençoe.
Anônimo disse…
Joffre,
concordo com a Letícia, linda a narrativa, lembrei-me da minha infância, perto do seu "hogar", a mesma paisagem, os mesmos brinquedos, coisas que calam no coração e na mente...Sorte termos estas lembraças para acalentar-nos.
Deus abençoe nossas lembranças.
Liana

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