Pró-Vida x Pró-Morte



Participei, na semana passada, de reunião de um grupo de leigos do Movimento Pró-Vida, com o objetivo de preparar a luta pelo “Não”, no referendo sobre a legalização do aborto, que deve acontecer aqui em Portugal no início do ano que vem.

A legalização do aborto é uma das questões cruciais no esforço suicida da Velha Europa de tentar demolir os pilares sobre os quais foi construída, ou seja, os valores cristãos.

Impressiona que muitos dos seus defensores até se convencem que estão, sim, a defender a vida.

Os mecanismos para alcançar inversões tais são conhecidos há muito. Schopenhauer chegou a listá-los em “A arte de sempre ter razão”. Por exemplo: em primeiro lugar, mudar os nomes, usar eufemismos. Não falar aborto, mas “interrupção voluntária da gravidez”; “eutanásia”, ao invés de assassinato de idosos e doentes terminais; “seres humanos inviáveis”, em lugar de enfermos ou portadores de deficiência física. Segundo, pregar nos opositores rótulos degradantes. Se referindo aos membros do Pró-Vida, uma deputada do Partido Comunista “alertava” sobre o risco da “volta dos representantes do obscurantismo medieval”. Em sentido inverso, procura-se associar aos pró-morte o rótulo de progressistas, solidários defensores do direito da mulher “ao próprio corpo”. Terceiro, pura e simplesmente, mentir e omitir.

De outro lado, para que o discurso pró-vida tenha credibilidade, precisa se refletir em atos de apoio à gestante, principalmente jovem, em risco de abortar

Dados de um estudo do médico americano Dr. David Reardon, “mostram que o aborto não é o resultado de uma "escolha" da mulher. É, tragicamente, uma situação em que sentiram que não tiveram nenhuma escolha, sentiram que ninguém se importava com elas e com o seu bébé (...). Nestes momentos a mulher sente-se rejeitada, confusa, com medo, sozinha e, no meio disto tudo, a sociedade diz-lhe: "Nós eliminaremos o teu problema eliminando o teu bébé. Faz um aborto. É seguro e fácil” (1. eles falam“bébé”; 2. vide www.diocesedecoimbra.pt).

Aqui, tenho observado ações animadoras. Em várias partes do país há associações pró-vida de voluntários, que oferecem números telefônicos tipo CVV, e que se dedicam a acolher, orientar e mesmo abrigar mulheres desesperadas, às voltas com uma gravidez inesperada. Pouco antes de vir para Portugal, me lembro dos esforços de uma cara amiga, a dentista Marta Gama, em criar movimento semelhante na nossa diocese. Com certeza frutificou, pela generosidade da iniciativa. Como sempre, essa é a melhor resposta a qualquer colérico opositor: a ação desinteressada, a resistência firme, mas suave.

Joffre Neto, agente pastoral de fé e política, faz doutorado em ciência política em Portugal. E-mail: joffreneto@joffreneto.com.br. Blog: http://joffreneto.blogspot.com

(artigo para o jornal O Lábaro, da Diocese de Taubaté, São Paulo, Brasil)

Comentários

Tony Marmo disse…
O problema da discussão do espectro de casos em que o aborto é legal não é sua relação com valores religiosos, dada a separação entre o Estado e a Igreja. O problema é que os argumentos são ruins e não há uma discussão real.

No caso do Brasil esse defeito é pior: ninguém discutiu até hoje porque o código penal faz a distinção entre homicídio, infanticídio e aborto. Mais precisamente, não há se debate porque as penas para o aborto e o infanticídio são menores do que para homicídio: será que a vida de um indivíduo vale menos pela sua idade?

De resto, a realidade antropológica é posta de lado completamente. O principal argumento a favor da legalização apregoado nos media é o inverso de porque há que se considerar a questão. O argumento seria o de que a mulher poderia por sua livre vontade escolher e que esse seria um direito. Aí se fala também dos casos de quando a gravidez não é planejada, etc. Ocorre que, como se sabe, nas diversas culturas do mundo é muito difícil uma mulher abortar por livre e espontânea vontade. Mesmo quando a gravidez não é planejada, o que normalmente acontece é que, passada a surpresa inicial, a gestante passa a aceitar a idéia de que está grávida. A gestante somente não quererá continuar a gravidez se houver fortes motivos adversos. De fato, quando não existe o risco à vida da grávida, o que faz uma mulher abortar são fortes pressões sociais ou econômicas, tais como: o parceiro não quer assumir nenhuma responsabilidade e exige que a mulher tire a criança, ela não possui os meios materiais para sustentar a criança sozinha, o pai biológico é de outro grupo étnico, nacional ou religioso/ classe social, a família da gestante ou o seu meio social não aceita a gravidez, etc. Em resumo, a mulher geralmente aborta porque é pressionada e não porque escolhe livremente. Esse dado antropológico conhecido é vital porque, se consideradas essas condições que a levaram a abortar, fica difícil aplicar uma punição rigorosa. Os atenuantes são tantos que necessariamente há que se perguntar se vale a pena trazer perante o juiz a mulher que praticou o aborto, expor detalhes de sua intimidade e ao final não se poder impor sanção.

Somente pelo ponto de vista se serve ou não à causa da justiça expor e julgar a mulher que aborto é que se pode considerar a possibilidade de legalizar o aborto. Como a discussão não começa a partir desse ponto de vista na maioria dos países do mundo, tem-se um debate de péssimo nível.

E o mais preocupante não é propor a legalização, visto que as leis são revistas de tempos em tempos e algo pode ser perfeitamente imoral e ainda não importar sanção penal. O mais preocupante é quando um movimento se propõe a fazer com que a sociedade aceite o aborto, isto é, pretende mudar a ética humanista e não a legislação.
Tony Marmo disse…
O problema da discussão do espectro de casos em que o aborto é legal não é sua relação com valores religiosos, dada a separação entre o Estado e a Igreja. O problema é que os argumentos são ruins e não há uma discussão real.

No caso do Brasil esse defeito é pior: ninguém discutiu até hoje porque o código penal faz a distinção entre homicídio, infanticídio e aborto. Mais precisamente, não há se debate porque as penas para o aborto e o infanticídio são menores do que para homicídio: será que a vida de um indivíduo vale menos pela sua idade?

De resto, a realidade antropológica é posta de lado completamente. O principal argumento a favor da legalização apregoado nos media é o inverso de porque há que se considerar a questão. O argumento seria o de que a mulher poderia por sua livre vontade escolher e que esse seria um direito. Aí se fala também dos casos de quando a gravidez não é planejada, etc. Ocorre que, como se sabe, nas diversas culturas do mundo é muito difícil uma mulher abortar por livre e espontânea vontade. Mesmo quando a gravidez não é planejada, o que normalmente acontece é que, passada a surpresa inicial, a gestante passa a aceitar a idéia de que está grávida. A gestante somente não quererá continuar a gravidez se houver fortes motivos adversos. De fato, quando não existe o risco à vida da grávida, o que faz uma mulher abortar são fortes pressões sociais ou econômicas, tais como: o parceiro não quer assumir nenhuma responsabilidade e exige que a mulher tire a criança, ela não possui os meios materiais para sustentar a criança sozinha, o pai biológico é de outro grupo étnico, nacional ou religioso/ classe social, a família da gestante ou o seu meio social não aceita a gravidez, etc. Em resumo, a mulher geralmente aborta porque é pressionada e não porque escolhe livremente. Esse dado antropológico conhecido é vital porque, se consideradas essas condições que a levaram a abortar, fica difícil aplicar uma punição rigorosa. Os atenuantes são tantos que necessariamente há que se perguntar se vale a pena trazer perante o juiz a mulher que praticou o aborto, expor detalhes de sua intimidade e ao final não se poder impor sanção.

Somente pelo ponto de vista se serve ou não à causa da justiça expor e julgar a mulher que aborto é que se pode considerar a possibilidade de legalizar o aborto. Como a discussão não começa a partir desse ponto de vista na maioria dos países do mundo, tem-se um debate de péssimo nível.

E o mais preocupante não é propor a legalização, visto que as leis são revistas de tempos em tempos e algo pode ser perfeitamente imoral e ainda não importar sanção penal. O mais preocupante é quando um movimento se propõe a fazer com que a sociedade aceite o aborto, isto é, pretende mudar a ética humanista e não a legislação.

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