Vivendo sob ameaças

Pelos impulsos eletrônicos da net chegam as notícias daí e as comparações são inevitáveis.

Quando retornei para cá em abril, depois de dois meses no Brasil, algumas contas de serviços públicos, por causa de mudança de endereço, ficaram atrasadas até três meses. Gato escaldado, me preparei para a montanha de multas e juros. Dirigi-me à Loja do Cidadão (um poupa-tempo municipal) para pagar água, luz, telefone e internet. E surpresa: nem um centavo de multa, muito menos de juros.

Imagine o que aconteceria no nosso país. Uma chuva de cobranças, seguidas de ameaças mil: incrição no SPC, no Serasa, e cobrança judicial. Mas não é só no comércio.

Esses dias, um amigo assistente social desabafou comigo: recebeu, só nesta última semana, duas correspondência ameaçadoras. Primeiro, foi notificado pelo CRESS (o conselho profissional deles), e depois, intimado pela Justiça Eleitoral.

Vejamos os crimes dessa fora-da-lei hediondo. Por estar desempregado há anos, não pode pagar o CRESS nos últimos três; e crê que, inadvertidamente, pode ter se enganado no preenchimento de algum formulário em razão de mudança de domicílio eleitoral. Crimes perversos, merecedores de forca, precedida de açoitamento público e seguida de esquartejamento, não?

A carta do CRESS (que, aliás, pouco difere de outros equivalentes) é um primor. Joga todo o peso de uma instituição contra um indivíduo fragilizado e, diria mesmo, indefeso. Ou paga (com multas e juros!) ou se lasca: “o não cumprimento pode implicar em abertura de suspensão da inscrição e abertura de cobrança judicial”. E mais, esclarece com uma boa dose de insensibilidade que pouco importa se o profissional estiver desempregado e que a única saída, para a dívida parar de crescer, é pedir o cancelamento da inscrição. Ora, é muito cinismo! Como poderá o profissional vir a se empregar de novo se tiver sua inscrição cancelada? Em vez de um órgão desses, sustentato pelos asssociados, procurar meios para aliviar a desgraça de seus membros desafortunados, cai em cima deles com as garras monstruosas do predador faminto e lhes corta qualquer caminho de fuga. Não, essa gente não faz jus aos idealistas do Serviço Social, de ontem e de hoje, que eu tanto admiro. Claro que tudo está “amparado na lei”. Só que é lei ilegítima, nascida não do senso comum de justiça, mas do interesse corporativo.

E tal a intimição da Justiça Eleitoral? Informa logo de início, embora seja um mero primeiro contato, que se o infeliz destinatário não comparecer prontamente pode sofrer “pena de 3 meses a um ano de detenção”! Meu amigo, cidadão exemplar, pergunta atônito: “ Mas por acaso eu resisti à alguma coisa para ser tratado assim?”. Pergunto também eu: por que se dirigir dessa forma aos cidadãos? Não poderia, pelo menos de começo, se escrever, digamos: “Solicitamos sua presença para esclarecimento de provável erro no preenchimento de formulário”?. Isso, por acaso, diminuiria o respeito dos cidadãos pelo Judiciário, ou, pelo contrário, o aumentaria, pela demonstração de tratamento digno?

Por essas e por outras tais que não saio da política.

CONEXÃO EUROPA tem o apoio dos seguintes amigos: Jornal Matéria Prima; Da. Maria Conceição Prado; Feijões Tarumã; Prolim; ThyssenKrupp-Autômata; Arq. Carlos Armando Gallão Júnior; Taubaté Shopping; Milclean; Escritório de Advocacia Antonio Olivo e Ribeiro Bueno; Dr. Rubens Monteiro; Ortopedia Rita de Cássia e Assintel.