Porque a Câmara não controla o boi e a farra


O artigo da semana passada (“Como controlar a farra do boi na Prefeitura”) chamou a atenção de muitos leitores que questionaram: “mas se é assim, se tudo tem que passar previamente pela Câmara, como se chega a esse descontrole”? As causas são várias:

a) Históricas: desde 1935, quando foram fechadas na ditadura Vargas, as Câmaras estão sob as botas dos prefeitos e nunca mais se recuperaram. As décadas de soterramento, depois mordaça e destituição de poderes quebrou qualquer resistência e apagou os mais leves resquícios da antiga independência e poderio que tinham. Foram parcialmente reabilitadas na Constituição de 1988, mas esse fato é amplamente desconhecido tanto da população quanto dos próprios vereadores, que agem como passarinho que nasceu em gaiola e se aboba quando a portinhola é aberta e os ares da liberdade mexem com suas penas. Não conheceram a liberdade e se acostumaram com o alpiste. O cárcere incomoda, mas é cômodo.

b) Formalismo: nossas instituições não são para valer, são como enredos de carnaval: não se espere que a fonte em cima do carro de desfile dê água efetivamente: é mera alegoria. Assim também se estrutura a Câmara: a constituição lhe assegura o controle do orçamento, mas fica no papel. Só para esse fim, tem duas comissões específicas, de nome pomposo e atividade oca: “Finanças e Orçamento” e “Fiscalização da Execução Orçamentária”. Pergunte a um vereador membro de comissões tais, em qualquer Câmara do Brasil, e veja se ele sabe qual é a Receita Corrente Líquida do Município! Nem um em mil. Abrande: pergunte o valor total do orçamento ou quanto foi gasto no mês anterior. Não encontrará resultado melhor. (Por justiça: nem o prefeito sabe).

c) Conforto: controlar o prefeito como a lei faculta e exige, dá muito trabalho: é preciso esmiuçar peças orçamentárias, programas, atividades, projetos, relatórios; visitar e fiscalizar obras em andamento; percorrer, sistematicamente, postos de saúde, etc. Mas é um conforto enganoso: se se dedicasse a isso o vereador teria estafa muito menor do que ser - como é - bombardeado permanentemente por pedidos que ele não pode atender, ou pior, para os quais precisa suplicar ao prefeito (porque não soube controlá-lo via orçamento).

d) Ignorância do Judiciário: Por último, mas não menos importante. Se o prefeito botar manguinhas de fora, a quem recorrer? (não se pode resolver tudo com o tiro de canhão, mas único, da cassação). Ao Judiciário. Mas é raro o juiz, ou promotor, que teve formação suficiente em direito constitucional para compreender - e reconhecer – que a Câmara tem o poder de controlar o Executivo. São induzidos pela cultura predominante que o prefeito é um reizinho que tudo pode – sem contrastes ou peias. Por exemplo: entendem, muitas vezes, que é “intromissão indevida” da Câmara exigir que o prefeito meramente informe os programas que pretende que ela lhe aprove!

Aos pacientes, prometo para a próxima semana aprofundar um tiquinho mais o tema. Perguntas são bem-vindas.

Joffre Neto é diretor-executivo da Transparência Taubaté.
Mantenha-se informado: siga-me no www.twitter.com/joffreneto



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