Memória - Recurso ao Cons. Superior do Min. Público contra decisão do Promotor local

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO


Ref.: Ofício n.º 252/2010-10ª PJT.
Representação protocolada sob o n.º 409/10
Representação: protocolo 546/07 (sic)


O CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE TAUBATÉ (COMUS), neste ato representado por seu presidente, o Senhor Joaquim Marcelino Joffre Neto, brasileiro, RG N.º M.3.318.318, CPF N.º 495.801.166/87, engenheiro eletricista, residente e domiciliado na Rua Francisco Nunes, 70, neste Município de Taubaté, vem, respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, nos termos do artigo 107, § 1º da Lei Complementar 734/199 e do Ato N.º 013/93-CPJ-CSMP, interpor RECURSO CONTRA INDEFERIMENTO DE REPRESENTAÇÃO, passando a expor e requerer o quanto segue:

Conforme o Art. 129, II, da Constituição Federal, cabe ao Ministério Público "zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia". Da mesma forma, o Art. 103, V e VII, b, da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo estabelece que "são funções institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável, (...) promover a representação destinada a intervenção do Estado nos Municípios para assegurar a execução da lei, ordem ou decisão judicial" e "exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito (...) pelos órgãos da Administração Pública estadual ou municipal, direta ou indireta".

DAS ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE

1) Como é do conhecimento de V. Ex.ª, os Conselhos Municipais foram concebidos para garantir a gestão democrática dos municípios, constituindo-se em importantíssimos canais de participação da população nas decisões das políticas públicas. Conferiu o legislador excepcional poder a alguns conselhos municipais, quando lhes atribuiu natureza deliberativa nos negócios públicos locais, em especial aos Conselhos de Saúde, conforme estabelece o Art. 77 da Const. Federal:

Art. 77

...

§ 3º - Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição Federal.

2) Cabe ao Conselho Municipal de Saúde de Taubaté, por determinação legal (Lei Compl. Mun. n.º 177/07, art. 2.º, caput) estabelecer, acompanhar, controlar e avaliar a política Municipal de Saúde.

3) Certamente estas atribuições só se tornam concretas se o COMUS tiver capacidade deliberativa quanto ao orçamento municipal daquela área. De fato, assim o prevê o inc. VI, do art. 2.º da Lei supra mencionada, in verbis:

Art. 2.º O COMUS terá funções deliberativas, fiscalizadoras e consultiva, objetivando basicamente o estabelecimento, acompanhamento, controle e avaliação da política municipal de saúde, de acordo com a Lei Orgânica do Município e da Constituição Federal, a saber:

...

VI – discutir e deliberar a proposta setorial da saúde no orçamento municipal.

4) Naturalmente, o disposto na Lei se aplica tanto às propostas iniciais do Prefeito Municipal, seja nos projetos de leis de diretrizes orçamentárias e orçamento anual, quanto em eventuais propostas de modificações (suplementações e anulações). Quem precisa de autorização para criar (proposta inicial submetida à deliberação do COMUS) precisará de autorização para alterar (eventual proposta de suplementação ou anulação). Caso contrário a letra da Lei seria natimorta: bastaria o Prefeito propor alteração do que foi deliberado inicialmente pelo COMUS, sem consultá-lo novamente, para anular o que este órgão tenha decidido.

DOS FATOS

1) Como narrado na representação, o Prefeito Municipal agiu exatamente conforme mencionado na hipótese acima: encaminhou as mensagens n.ºs 66/2010 (01.07.2010) e 67/2010 (06.07.2010) à Câmara Municipal com projetos de lei que alteravam substancialmente diversas rubricas orçamentárias da área de saúde sem sequer notificar o COMUS, quanto menos submeter as propostas à sua deliberação.

2) Destaca-se entre as propostas a anulação parcial no valor de R$ 1.300.000,00 de dotação destinada à ampliação e reforma do Pronto Socorro Municipal que se encontra em estado de gravíssima precariedade. A dotação inicial proposta pelo COMUS, e acolhida pela Câmara Municipal sob a forma da Emenda de n.º 16 ao projeto da LOA-2010, era de R$ 3.000.000,00, e foi aprovada por unanimidade, dada sua relevância.

3) Tivemos ciência que as propostas de suplementação encaminhadas pelas mensagens do Executivo acima mencionadas foram aprovadas em sessões extraordinárias da Câmara Municipal no dia 7 passado, e esta condição – sessão extraordinária – não propiciou a prévia divulgação da Ordem do Dia da respectiva sessão legislativa, o que não deixou a menor possibilidade de reação deste COMUS.

DA REPRESENTAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL

Este Conselho representou ao Ministério Público Estadual (doc. anexo) narrando tais fatos. Em resposta, desafortunadamente, o Exmo. Sr. Promotor de Justiça arquivou, de plano, a representação, alegando, em síntese:

1. Que não haveria prova de prejuízo nem ofensa ao principio da razoabilidade nos fatos expostos;

2. Que o Conselho Municipal de Saúde pretendia, na verdade, tutelar prerrogativa própria - subentendendo-se que este Conselho não procurava tratar do interesse público;

3. Que o Conselho Municipal de Saúde poderia ajuizar, per si, ação contra o Chefe do Executivo;

4. Que, em todo caso, escaparia das atribuições do órgão ministerial a representação judicial de entidades públicas.

DAS RAZÕES DE RECURSO

Em que pesem as justificativas do Exmo. Sr. Promotor Público, pode-se, sem maior dificuldade, refutá-las. Senão vejamos:

1. Independe de prova o prejuízo no caso em tela, uma vez que a violação de uma lei – especialmente quando essa lei visa a própria proteção dos direitos fundamentais do cidadão -, gera, por si só, um dano. Ademais, a razão da existência dos Conselhos Municipais é justamente aferir a razoabilidade dos atos do Chefe do Executivo. Ao passar por cima das deliberações dos Conselhos, a primeira coisa que faz é ofender o princípio da razoabilidade.

2. Data venia, equivoca-se o Exmo. Sr. Promotor Público ao entender que este Conselho pretende, tão somente, defender prerrogativa própria. No caso, a usurpação dessa prerrogativa pelo Prefeito Municipal, não ofende somente ao Conselho, mas especialmente o direito fundamental do cidadão, dada a situação gravíssima do Pronto Socorro Municipal, como já mencionado e demonstrado no vídeo anexo ([1]). Não foi por outro motivo que, em amplo movimento popular, o Conselho Municipal de Saúde conseguiu fazer inserir na Lei Orçamentária Anual deste ano de 2010 emenda de R$ 3.000.000,00 visando reformar e ampliar aquela unidade de saúde. Acrescente-se que o Município de Taubaté já alcança uma população de cerca de 270.000 habitantes e possui um único pronto socorro municipal.

3. De fato, o Conselho Municipal de Saúde detém capacidade postulatória para defesa de suas prerrogativas, e poderia, para tanto, contratar profissional da área jurídica para defendê-lo, pois possui pequena dotação no orçamento municipal. Mas essa capacidade postulatória está limitada exclusivamente à defesa das prerrogativas do órgão, não lhe cabendo ultrapassá-las para a defesa do direito maior do cidadão que está sendo violado.

4. Além disso, pergunta-se: qual a possibilidade prática de o Conselho vir a poder contratar advogado, vez que as despesas do Executivo, ao qual pertence o Conselho Municipal de Saúde, são autorizadas exclusivamente pelo próprio Prefeito? Qual a chance real de o Prefeito Municipal liberar recursos para o pagamento de advogado visando ajuizar ação contra ele mesmo? Se tivesse o Chefe do Executivo espírito tão liberal não teria dado causa aos fatos ora combatidos. Dada que a hipótese óbvia é a de resistência do Prefeito Municipal, quem então defenderá o interesse da população?

5. Mais uma vez, data maxima venia, equivoca-se o Exmo. Sr. Promotor Público ao argumentar que não pode "representar judicialmente entidades públicas" porque o Conselho de Saúde não postula, repita-se, a defesa de suas prerrogativas mas sim a observância de lei para a salvaguarda de direito do cidadão, e isto sim está ao alcance do órgão ministerial, pois assim o determinam a Constituição e a sua Lei Orgânica: cabe ao Ministério Público "assegurar a execução da lei, ordem ou decisão judicial" e "exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito (...) pelos órgãos da Administração Pública estadual ou municipal, direta ou indireta".

6. Não é demais elencar aqui algumas notícias divulgadas na imprensa que dão pálida amostra da situação dos serviços de saúde pública no Município de Taubaté:

O Band Cidade relata agora a precariedade do atendimento no único Pronto Socorro Municipal de Taubaté. Com imagens feitas dos corredores do hospital, um homem, vítima dessa negligência mostra como um parente dele foi tratado quando precisou de atendimento médico. O idoso com problemas pulmonares não conseguiu vaga na unidade e foi transferido para São José dos Campos”. O vídeo desta notícia mostra um senhor deitado numa maca, e, conforme narra o repórter, “cercado por refeições, que se misturam com recipientes de exames laboratoriais, medicamentos e lixo hospitalar, o que aumenta o risco de contaminação. Os equipamentos utilizados são lavados apenas com água, sem os cuidados necessários”. [2]

A filha de Fabiane Bernardo, por exemplo, está internada com pneumonia no centro de emergência, onde o atendimento, segundo a prefeitura, deveria durar no máximo oito horas. Mas a menina está lá há seis dias e Fabiane dorme em uma cadeira”. [3]

Saúde Precária: Número de mortes no Pronto-Socorro de Taubaté preocupa”. [4]

Câmara Municipal apura mais um escândalo milionário, desta vez na Área da Saúde, que envolve desvio de dinheiro público por meio de compras sem licitação de mercadorias superfaturadas”. [5]

Adilson Pires dos Santos, de 49 anos, morreu após um infarto, em agosto. Ele ficou internado 16 dias no Pronto-Socorro de Taubaté. A família diz que, nesse período, até as enfermeiras reclamavam da situação precária dos equipamentos”. [6]

A Prefeitura de Taubaté gastou cerca de R$ 7,5 milhões em compras sem licitação de medicamentos, que hoje estão em falta nos postos de distribuição e no próprio Pronto Socorro – onde não há nem sabão para o médico lavar as mãos após atender um paciente, segundo o depoimento de uma funcionária”. [7]

Apenas nos primeiros oito meses do ano, quase 500 pessoas morreram no Pronto-Socorro de Taubaté”. [8]

Moradores de Taubaté reclamam do atendimento no pronto-socorro da cidade“. [9]

Taubaté confirma 780 casos de dengue e moradores pedem mais cuidados à prefeitura”. [10]

Pelo exposto, pede-se seja revista a decisão que arquivou a representação em comento, para que sejam tomadas as medidas cabíveis no sentido de anular os processos legislativos deflagrados pelos projetos de lei contidos nas Mensagens do Senhor Prefeito de números 66/2010 (01.07.2010) e 67/2010 (06.07.2010), por ofensa ao art. 2.º, VI, da Lei Complementar Municipal N.º 177/07, além daquelas que V. Ex.ª julgar procedentes.

Pede Deferimento.

Taubaté, 29 de julho de 2010.

Joaquim Marcelino Joffre Neto

Presidente do COMUS



[1] Que também pode ser consultado no seguinte endereço eletrônico: www.youtube.com/watch?v=FtufgW9UI3s

[2] http://www.youtube.com/watch?v=J-ctXPxFk28

[3] http://www.vnews.com.br/video.php?id=2126

[4] http://www.vnews.com.br/noticia.php?id=58749

[5] http://www.jornalcontato.com.br/426/Jornal.html

[6] http://www.vnews.com.br/noticia.php?id=58749

[7] http://jornalcontato.blogspot.com/2009/09/saude-um-caso-de-policia_13.html

[8] http://www.vnews.com.br/noticia.php?id=58749

[9] http://www.vnews.com.br/video.php?id=2126

[10] http://www.vnews.com.br/noticia.php?id=70556

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