MP PEDE, NOVAMENTE, O AFASTAMENTO DE PEIXOTO E DE TERESA PAOLICHI POR CORRUPÇÃO

Veja a íntegra da inicial do Dr. Sampaio:

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Taubaté - SP.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO vem, por seu Promotor de Justiça da Cidadania de Taubaté, com fulcro no disposto no artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal, no artigo 5º, da Lei nº. 7.347/85, no artigo 17, da Lei nº. 8.429/92, no artigo 25, inciso IV, letra "a", da Lei nº. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), e no artigo 103, inciso VII, letras "a" e "b", e inciso VIII, da Lei Estadual nº. 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), perante Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

com pedido liminar

em face de:

1 - ROBERTO PEREIRA PEIXOTO, brasileiro, casado, engenheiro civil, RG 6.422.552 SSP/SP e CPF 738.598.508-49, Prefeito Municipal de Taubaté, residente e domiciliado à Rua do Café, nº. 241, ou à Avenida Tiradentes, nº. 520, Centro, ambos nesta Comarca.

2 – MARIA TERESA PAOLICCHI, brasileira, casada, Assistente Social, Vereadora da Cidade de Taubaté, RG 5.548.123 SSP/SP, CPF 788.851.088-49, residente e domiciliada à Rua Ataulfo Alves, nº. 680, Caminho Novo, Conde I, ou à Avenida Professor Walter Thaumaturgo, n.º 208, ambos nesta Comarca.

3 – MAYARA ALABARQUE VIEIRA RODRIGUES, brasileira, solteira, operadora de caixa, RG 43.104.227-5 SSP/SP, CPF 347.905.418-86, residente à Rua São Francisco das Chagas, nº. 98, Vila Nossa Senhora das Graças, nesta Comarca.

4 – SILVANA PIERONI, brasileira, divorciada, professora, RG 14.801.046, CPF 056.342.528-81, residente à Rua Orlando Ribeiro, nº 231, bairro Vila São Geraldo (Granvile), nesta Comarca.

5 – RENATA APARECIDA CAMARGO MARQUES (cujo nome de solteira era Renata Aparecida do Carmo Camargo), brasileira, casada, auxiliar de secretaria, RG 25.680.164-2 SSP/SP, CPF 305.770.198/13, residente à Rua Idalina Pereira Batista, nº 58, bairro Cidade de Deus, nesta Comarca.

6 – LARA PRICILIANA GONÇALVES DA SILVA BENTO, brasileira, solteira, estudante, RG 44.895.460-6, CPF 399.663.838-83, residente à Rua Márcia, nº. 257, bairro da Estiva, nesta Comarca.

7 – JÚLIO CÉSAR OLIVEIRA, brasileiro, solteiro, RG 8.071.129-7 SSP/SP e CPF 788.415.698-91, servidor público, residente e domiciliado à Rua Jacques Félix, nº. 510, apartamento 201, Centro, ou à Avenida Tiradentes, nº. 520, Centro, nesta Comarca; pelos fatos e fundamentos jurídicos que passa a expor.

DOS FATOS

No decorrer dos exercícios financeiros de 2007 e 2008, os demandados Roberto, Maria Teresa e Júlio César - o primeiro, Prefeito Municipal de Taubaté, a segunda, Vereadora do Município de Taubaté, e o terceiro, Diretor do Departamento de Administração da Prefeitura Municipal -, agindo em concurso e nutrindo identidade de desígnios, praticaram condutas lesivas ao erário, visando obterem, para si, vantagem indevida; propiciando o locupletamento dos demais demandados.

Segundo restou apurado nos autos inquérito civil nº. 55/2010-6, os demandados Roberto, Maria Teresa e Júlio César adotaram providências administrativas necessárias às contratações dos demais, como se eles fossem prestadores de serviços autônomos (RPA) à Municipalidade de Taubaté, porém, com desvio de finalidade, porquanto, em verdade, eles desempenham atividades privadas, de cabos eleitorais ou em benefício de uma associação criada pela demandada Maria Teresa.

Ocorre que, nos autos do processo registrado sob o número 109/06, em trâmite pelo Juízo da 4ª Vara Cível local, com decisão transitada em julgado no dia 10 de julho de 2006, o Ministério Público e o Poder Executivo de Taubaté celebraram um acordo, no qual o ente municipal assumiu obrigações tendentes a garantir a legalidade das contratações de profissionais autônomos, comprometendo-se a:

1 - somente contratar serviços prestados por autônomos (pessoas que desempenhem serviços técnicos ou artísticos urbanos, de forma habitual e não subordinada, assumindo o risco dessa atividade), desde que não se destinem à execução de um serviço público, e desde que não exista nos quadros do Poder Executivo Municipal de Taubaté a previsão de cargo ou de função pública com o mesmo rol de atribuições;

2 - Na hipótese da existência de uma necessidade excepcional e urgente que exija pronta solução, sob pena de pôr em risco a continuidade da prestação de um serviço público, mesmo havendo nos quadros do Poder Executivo Municipal de Taubaté a previsão de cargo ou de função pública com o mesmo rol de atribuições, mas em número insuficiente para suprir a necessidade do momento, será admissível a contratação de profissionais autônomos visando à prestação de serviços técnicos urbanos, de forma eventual e sem subordinação, pelo prazo máximo e improrrogável de 30 (trinta) dias, se necessário;

A despeito disso, com o nítido propósito de obterem vantagem política, preservando o próprio patrimônio à custa do erário, os demandados Roberto, Maria Teresa e Júlio César agiram de modo diverso.

Segundo o relato da demandada Mayara (fls. 05):

em janeiro de 2008, seu pai, Maurílio de Oliveira Reis, procurou pela vereadora Maria Teresa Paolicchi, no interior da igreja existente no Convento Santa Clara, a fim de saber se ela poderia me auxiliar a obter uma vaga de emprego. Maria Teresa ficou de conversar com um amigo e depois entrar em contato comigo. Na mesma oportunidade, Maria Teresa me perguntou se eu aceitaria trabalhar na sua ONG, Promoção Saúde Social, que anteriormente ficava sediada próximo à Praça Frederico Ozanan, no bairro Jardim Maria Augusta. Alguns dias depois do primeiro contato, compareci à Câmara Municipal, e a vereadora Maria Teresa pediu que eu providenciasse um PIS de autônomo. Na mesma data ela extraiu cópia do meu RG e do meu CPF. Com o número do PIS, retornei à Câmara Municipal de Taubaté e o informei à vereadora Maria Teresa. Pouco tempo depois, a vereadora Maria Teresa informou que eu já poderia começar a trabalhar na ONG, e, no dia 15 de março de 2008, eu deveria comparecer à Prefeitura Municipal, na sala reservada para atender as pessoas que eram contratadas como autônomas, a fim de receber meu salário. Esta sala, tomando como referência a entrada situada ao lado da Avenida Tiradentes, é a primeira à esquerda, depois de passar pela escada do Palácio Bom Conselho. No dia do pagamento, eu, Roberto, a Lara Priciliana, que também eram RPA da Prefeitura Municipal de Taubaté, mas trabalhavam na ONG, nos dirigimos à Prefeitura Municipal, apresentamos o RG e recebemos uma documentação para ser assinada, nos deu uma cópia dos documentos e um cheque, no valor oitocentos e noventa e oito reais (R$ 898,00), sendo que destes, noventa e oito reais ficavam retidos como verba previdenciária, e a vereadora Maria Teresa exigia que fossem doados cem reais (R$ 100,00) à ONG. Durante as eleições, eu passei a trabalhar na Câmara Municipal de Taubaté, no gabinete da Vereadora Maria Teresa, mas continuei a receber pela Prefeitura Municipal. Inclusive, naquela época, a Vereadora me alertou que eu deveria dizer que apenas estagiava na Câmara Municipal de Taubaté, caso alguém perguntasse. Uma moça de nome Silvana Pieroni continuou a trabalhar na ONG, mas recebia como RPA, enquanto outras mais ou menos oito pessoas foram lotadas num ponto comercial alugado próximo ao Pátio de Santa Luzia, numa espécie de comitê eleitoral. Certo dia a Vereadora Maria Teresa me demitiu, alegando que eu não havia comparecido ao trabalho num final de semana. Porém, mesmo eu tendo dito a ela que não fui avisada, ela insistiu na minha demissão. Tais fatos foram levados ao conhecimento do Vereador Jeferson Campos, que investigava a situação dos RPAs da Prefeitura Municipal. Porém, algum tempo depois, ele disse que não poderia fazer nada, alegando que não havia provas dos fatos.

Posteriormente, em complementação, a demandada Mayara acrescentou (fls.07):

Quando eu iniciei as atividades junto ao gabinete da vereadora Maria Teresa na Câmara Municipal de Taubaté, já havia uma funcionária contratada como RPA que trabalhava lá, ou seja, Renata Aparecida Camargo. Já no comitê, trabalhavam as pessoas de Airton de Oliveira, seu filho Renan de Oliveira, Fabiano, Jéssica, Sílvio e Juarez Bispo, que também figuravam como RPA da Prefeitura Municipal. Esclareço que a doação que a vereadora Maria Teresa exigia, de cem reais, visava o pagamento do aluguel do prédio onde a ONG que anteriormente estava situada na Rua Frederico Ozanan, nº. 413, Vila São José. A sede atual da ONG é Avenida Monteiro Lobato, nº. 228, Chácara do Visconde, embora ainda haja atendimento na sede antiga. Com relação aos funcionários da Prefeitura, eles se chamam Evelin, Anderson, Márcia e Neide, que é a tesoureira. Evelin e Anderson eu tenho certeza que assinaram os recibos emitidos pela Prefeitura Municipal. A pessoa chamada Lara, que trabalhou comigo na ONG, atualmente encontra-se trabalhando em um posto de saúde da Prefeitura Municipal de Taubaté como RPA.

Referida contratação encontra-se comprovada documentalmente (fls. 08/20).

Insta consignar que, no curso da campanha eleitoral de 2008, o Prefeito Roberto Peixoto e a Vereadora Maria Teresa eram filiados a partidos políticos integrantes da coligação denominada “Avança Taubaté”.

As pessoas mencionadas pela demandada Mayara (Silvana Pieroni, Lara Prisciliana da Silva Bento, Renata Aparecida Camargo), de fato, eram contratadas pela Administração Pública Municipal como prestadores de serviços autônomos (RPA – fls. 137 e 150).

Ouvida (fls. 472/473), a demandada Silvana Pieroni assim se manifestou:

Trabalhei na ONG Promoção Saúde Social acredito que de 2008 até o mês de março de 2011, tendo prestado serviços como voluntária. Eu auxiliava no que era preciso: atendia telefone, marcada viagens para pessoas que precisavam ir a São Paulo. Tais pessoas eram pacientes, e iam fazer cirurgia de catarata pelo SUS na Clínica Suel Abujanra, situada na Avenida Tamandaré, no bairro da Liberdade, na cidade de São Paulo. Tais pessoas eram transportadas para São Paulo numa Kombi pertencente à entidade. Tal veículo foi doado pelo Governo do Estado. Às vezes eu recebia ajuda de custo no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) ou de R$ 300,00 (trezentos reais). Não me recordo se a pessoa de nome Mayara trabalhou na ONG. No período em que trabalhei lá acho que não. Havia uma pessoa chamada Laila. O presidente da ONG era o senhor Ronaldo Candelária Varalo Rosa. A vereadora Maria Teresa Paolichi comparecia à ONG vez em quando e me auxiliava nos serviços, pois ela possuía experiência do período em que trabalhou como assistente social. Nunca contribui em dinheiro para a manuetnção da ONG. Fui convidada a trabalhar na ONG por Maria Teresa. À época a presidente era Maria Gorete, irmão dela. Trabalhei para a vereadora Maria Teresa Paolichi, auxiliando-a na campanha política de 2008. Eu não trabalhava na rua. Apenas a auxiliava na remessa das correspondências endereçadas aos eleitores. O comitê em que eu trabalhava ficava próximo à Avenida do Povo, na Rua da Faculdade de Comunicações. Eu trabalhava juntamente com Silvio, Roberto, Rosângela, Leila e outras pessoas. Meu trabalho no comitê não era remunerado. Às vezes eu comparecia ao gabinete da vereadora Maria Teresa, na Câmara Municipal, apenas para conversar, mas nunca trabalhei lá. Já trabalhei na Prefeitura, como RPA, na época em que iniciei a prestação de serviço voluntário na ONG. Eu trabalhava na Prefeitura das nove horas da manhã ao meio dia, e das duas horas da tarde até às dezoito horas. Esclareço que o ano que eu trabalhei como RPA eu permanecia na ONG. Primeiro comecei na ONG, depois é que fui contratada pela Prefeitura. Nunca exerci nenhuma função na Prefeitura Municipal de Taubaté. Eu recebia junto na Prefeitura Municipal, numa sala situada no andar térreo, à esquerda de quem entra; a mesma sala em que entreguei os documentos necessários à formalização dos atos da minha contratação. Recebia um cheque assinado pelo Prefeito, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), acredito eu.

No mesmo sentido, é o relato de Renata Aparecida Camargo (fls. 475/476):

Trabalhei na Câmara Municipal de Taubaté, no gabinete da Vereadora Maria Teresa Paolichi, no período de novembro de 2007 até o mês de maio de 2008. A Vereadora pedia que se alguém perguntasse, era para nós afirmarmos que trabalhávamos na ONG. Além de mim, havia mais duas pessoas na mesma situação, a senhora Lara e o senhor Roberto. Nós não éramos registrados, porém, recebíamos como RPA da Prefeitura Municipal de Taubaté. Tal fato inclusive gerou problemas fiscais para mim, pois meu marido me registrou como sua dependente, mas a Prefeitura Municipal informou ao Fisco que naquele exercício financeiro eu figurava como contratada. Quando eu comecei a trabalhar no gabinete da Vereadora Maria Teresa, um assessor dela, cujo nome eu não me recordo, pediu meus documentos e falou com alguém da Prefeitura. Depois disso, todos os meses eu ia à Prefeitura Municipal de Taubaté, onde recebia um cheque no valor R$ 800,00 (oitocentos reais). Porém líquidos eu só recebia cerca de R$ 700,00 (setecentos reais), pois havia um desconto. Eu ficava a semana inteira na Câmara Municipal, mas Lara e Roberto ficavam na ONG. Esclareço que a ONG Promoção Saúde Social pertence à Vereadora Maria Teresa.

Por fim, embora, a princípio, tenha negado os fatos; a demandada Lara Prisciliana também confirmou o esquema de desvio de verba pública:

Conheço a Vereadora Maria Teresa desde criança, pois minha mãe, que também é Assistente Social, trabalhou com ela na Prefeitura Municipal. De início, me apresentei como voluntária da ONG Promoção Saúde Social. Em seguida, a Vereadora Maria Teresa pediu que eu providenciasse o PIS. Além disso, me solicitou o RG e o meu CPF. Ela me explicou que eu iria receber pela Prefeitura Municipal, mas não me disse a que título seria. Eu recebia um contracheque na tesouraria da Prefeitura Municipal de Taubaté, no valor de oitocentos reais. Daí, eu saía e me dirigia à Caixa Econômica Federal, do Centro, a fim de descontar o cheque. ... Esclareço que não fiz menção a estes fatos anteriormente por possuir uma dívida de gratidão para com a Vereadora Maria Teresa, que ajudou a mim e a meus parentes. Embora eu e as demais pessoas na mesma situação (Mayara, Roberto, Renata e Silvana) considerássemos estranho o fato de trabalharmos na ONG e receber na Prefeitura Municipal de Taubaté, nós não encontramos nenhuma explicação. Não perguntei a ninguém da ONG sobre o motivo deste fato. Nunca recebi orientação para falar que trabalhava na Prefeitura Municipal de Taubaté.

Havia plena sintonia entre os demandados Roberto, Maria Teresa e Júlio César. Enquanto os dois primeiros enriqueciam indevidamente, economizando despesas pessoais com o custeio de suas campanhas eleitorais; o último procurava conferir pretensa legalidade às contratações dos demais demandados; também visando seu benefício próprio, porquanto procurava garantir a reeleição do Prefeito e, com isso, manter a remuneração que percebia por ocupar cargo comissionado junto ao Poder Executivo municipal de Taubaté.

As condutas por eles praticadas tinham por finalidade facilitar e garantir a reeleição do Prefeito Municipal e da Vereadora.

Portanto, é inegável que os demandados Roberto e Maria Teresa coordenavam todo o esquema de desvio de verbas públicas visando o custeio de parte de suas campanhas eleitorais, mediante a contratação de cabos eleitorais; porquanto os demandados contratados supostamente estavam lotados junto ao Gabinete do Prefeito (fls. 154, 222, 273, dentre outras), porém, em verdade foram desviados de suas funções para atuarem junto ao comitê eleitoral ou à associação criada pela da Vereadora.

Tal modo de proceder revela um evidente abuso de autoridade, por caracterizar um desvio de finalidade no uso do patrimônio público do Município de Taubaté.

abuso de poder toda vez que se identifica um “vício do ato administrativo que ocorre quando o agente público exorbita de suas atribuições (excesso de poder) ou pratica o ato com finalidade diversa da que decorre implícita ou implicitamente da lei (desvio de poder)” (Maria Sylvia Zanella di Pietro, Direito Administrativo. p. 198).

Sendo assim, o demandado Roberto não pode alegar desconhecimento dos fatos ou atuação conforme a lei; até porque ele foi o responsável direto pelas contratações, já que, afora ele, nenhum servidor da Prefeitura Municipal de Taubaté possuía poder para tanto, pois os Departamentos do órgão sequer gozavam de autonomia financeira e de autonomia administrativa.

Todo o chamado “Poder do Estado” estava concentrado nas mãos do Prefeito Municipal. Ou seja: nenhuma contratação de pessoal podia ser feita sem a prévia ciência, anuência e autorização do Prefeito Municipal.

O mesmo se aplica à demandada Maria Teresa, que na qualidade de fiscal dos atos do Poder Executivo, jamais poderia concorrer para a prática de tão odiosas condutas.

DO DIREITO

No caput do artigo 37 da Constituição Federal estão previstos os princípios informativos da Administração Pública; princípios estes que compõem o patrimônio social do Brasil, ou seja, “o conjunto de bens jurídicos assim denominados em face dos valores adotados pelo texto constitucional” (Lúcia Valle Figueiredo. Ação Civil Pública – Gizamento Constitucional. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Volume 07).

Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência deve ser a aspiração de todo político brasileiro.

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF); sendo este um dos princípios fundamentais que a sustentam.

O termo República tem sido empregado no sentido de forma de governo contraposto à monarquia. No entanto, no dispositivo em exame, ele significa mais do que isso. ... é, especialmente, designativo de uma coletividade política com características da res publica" (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros editores. Página 106).

É o povo o titular da coisa pública, coisa do povo, e que, por isso, deve ser utilizada em benefício dele, povo, da coletividade, estando intimamente ligada ao conceito de democracia.

Ao burlarem as normas constitucionais e infraconstitucionais, sobretudo os demandados Roberto e Maria Teresa assumiram posturas absolutistas, despóticas. Esqueceram que naquele momento se encontravam na qualidade de guardiães do erário e da res publica (coisa pública); e subtraíram do cidadão o inexpugnável direito de ter conhecimento da destinação dada aos tributos por ela (a sociedade) pagos ou do grau de probidade dos administradores da res publica.

De igual modo, o conluio entre o Prefeito e uma Vereadora feriu de forma contundente à harmonia e à separação entre os Poderes; outro princípio basilar da República.

Feriu-se não só o patrimônio social, mas, sobretudo, também o patrimônio público, permitindo-se que os demais demandados contratados se locupletassem, percebendo remunerações indevidas.

Conclui-se que, os demandados Roberto e Maria Teresa usaram, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial (art. 9º, inciso XII, da Lei nº. 8.429/92) do Município de Taubaté, ordenaram a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento (art. 10, inciso IX, da Lei nº. 8.429/92), agiram negligentemente no que diz respeito à conservação do patrimônio público (art. 10, inciso X, da Lei nº. 8.429/92), permitiram, facilitaram ou concorreram para que terceiros enriquecessem ilicitamente (art. 10, inciso XII, da Lei nº. 8.429/92).

Além disso, todos os demandados atentaram contra os princípios da Administração Pública e violaram os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições (art. 11, caput, da Lei nº. 8.429/92), praticando ato visando fim proibido em lei (art. 11, inciso I, da Lei nº. 8.429/92); porquanto possuíam consciência de que não podiam perceber remuneração paga pelo Poder Executivo de Taubaté, já que efetivamente não exerciam funções no órgão.

Embora todos os demandados sejam merecedores de sanção, percebe-se que as reprimendas devem ser aplicadas de forma severíssima somente em relação aos demandados Roberto e Maria Teresa, haja vista que aqueles que ofendem os pilares que dão sustentação à República obviamente pregam a queda do Estado de Direito, do regime democrático.

DO PEDIDO LIMINAR

Consoante estabelece o parágrafo único, do artigo 20 da Lei nº. 8.429/92, “A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual”.

Conforme reconhecido pela doutrina:

A previsão de afastamento do agente público para assegurar a higidez da instrução processual na Lei nº. 8.429/92 não afasta a viabilidade, autônoma, ou concomitante, do afastamento como garantia da ordem pública sob inspiração do poder geral de cautela, nos termos do art. 798 combinado com art. 12 da Lei nº. 7.347/85.

Nos termos do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92, é possível o afastamento do agente público, na hipótese de cometimento de ato de improbidade administrativa, “quando a medida se fizer necessária à instrução processual”.

Trata-se, por óbvio, de medida cautelar de natureza eminentemente processual. Para seu deferimento, exige-se, além do “fumus boni iuris”, o “periculum in mora”, ou seja, a exposição de fatos concretos e/ou abalizadas presunções que evidenciem a conduta do ímprobo tendente a obstar a regular instrução processual.

Todavia, situações existem em que não se detectam “quantum satis” elementos concretos a sinalizar perigo ao regular colhimento de provas durante a instrução processual. Mas, por outro lado, o contexto evidencia potencial perigo de o ilícito persistir ou a gravidade do ilícito constituir-se, por si só, em repugnante imoralidade que indelevelmente acaba por impregnar a continuidade de atuação do agente ímprobo. Situações existem em que a permanência do servidor na função representa, por si só, uma afronta à ordem pública, comprometendo, de forma ampla, os supremos objetivos do Estado no “seu papel na preservação da lei pela obediência e restauração da lei por imposição coercitiva.

Para exercer a plena soberania interna, o Estado, na expressão organizada de entes administrativos, deve infundir a idéia de credibilidade, confiança e respeito, sob pena de instalar-se a desobediência civil e o caos social.

Ora, na medida em que o agente público, traindo o dever de lealdade institucional e rigorosa obediência aos princípios que regem a administração pública e valores supremos do Estado, pratica ato de improbidade de natureza grave pela dimensão do dano ao erário ou enriquecimento ilícito, com magna repercussão no seio da sociedade, acaba por lesar a própria ordem pública. Gera o natural sentimento de descrédito, abala a confiança e o respeito que deve imperar em relação às instituições e seus agentes públicos, além de alimentar o sentimento de impunidade.

Esse degenerado sentimento na sociedade abre perigoso flanco para insubmissão ao império da lei, à desobediência civil, enfim ao caos social consubstanciado pela conduta arbitrária, desregrada, fraudulenta, criminosa.

Com base numa exegese prospectiva e transformadora, rompendo com posturas nostálgicas, fincadas em exacerbado apego ao cientificismo processual, cabe aos operadores do direito estabelecer novos paradigmas para aniquilar ou ao menos reduzir a corrupção endêmica que grassa no país. Assim, e nessa perspectiva, buscando a preservação da ordem pública, para assegurar a pleno exercício do poder soberano interno do Estado, em sentido amplo, e, no plano restrito, assegurar higidez moral das instituições lesadas a fim de impor seu poder coercitivo na consecução do bem comum. (Antônio Winkert Souza Procurador de Justiça e Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini Promotor de Justiça Substituto de 2º Grau. Ato de Improbidade Administrativa - Afastamento do Agente Público – Poder Geral de Cautela. apmppr.org.br/site/images/arquivos/improbidade_administrativa.pdf).

Insta consignar, ainda, que, no dia 01 do mês de março do ano de 2011, no curso de diligência de busca e apreensão realizada pela Promotoria de Justiça do Patrimônio Público de Taubaté, logrou-se comprovar a prática de outro ato ilegal praticado pelos demandados Roberto e Maria Teresa durante a campanha eleitoral de 2008; qual seja: burlando a lei municipal que disciplina a concessão de bolsas de estudo às pessoas necessitadas, eles, com evidente ofensa aos princípios da legalidade e da impessoalidade, concederam bolsas de estudos aos seus apaniguados, custeadas pelos cofres públicos de Taubaté, sem qualquer critério, mas apenas visando seus interesses políticos.

Tais documentos foram criminosamente retirados da sede da Prefeitura Municipal de Taubaté, posteriormente levados para a residência do ora demandado Roberto, de onde foram remetidos para a residência de pessoa que outrora compunha a equipe de seguranças do agravado Roberto, e lá apreendidos pelo Parquet (fls. 599/628).

No caso, afigura-se a hipótese legal autorizadora do afastamento, porquanto o Prefeito e a Vereadora ao longo dos tempos vêm adotando posturas tendentes a ocultar as ilegalidades que praticaram, e não hesitarão tentar fazê-lo agora, diante da gravidade das sanções previstas na Lei nº. 8.429/92.

Conclui-se haver fumus boni iuris, tendo em conta que as condutas acima descritas encontram expressa tipificação legal como atos que ofendem o patrimônio público e o patrimônio social.

Da mesma forma, o demandado Roberto continua a incorrer na mesma falta; tanto que em conluio com a demandada Maria Teresa violou a lei e a decisão judicial, no que toca à contratação de autônomos. Evidencia-se, pois, o periculum in mora.

Em razão do exposto, com base no que estabelece o artigo 12, da Lei nº. 7.347/85; requer-se que Vossa Excelência determine o imediato afastamento dos senhores Roberto Pereira Peixoto e Maria Teresa Paolichi do exercício dos cargos de Prefeito Municipal e de Vereadora do Município de Taubaté, respectivamente.

DO PEDIDO PRINCIPAL

Diante do exposto, requer-se que Vossa Excelência:

1 - determine intimação da Prefeitura Municipal de Taubaté, nos termos do artigo 2º, da Lei nº. 8.437/92.

2 - determine a notificação de todos os demandados, na forma e para os fins previstos no artigo 17, § 7º, da Lei nº. 8.429/92.

3 - determine a citação de todos os demandados, na forma do artigo 172, § 2º, do Código de Processo Civil, facultando-lhes o oferecimento de contestação, no prazo legal, sob pena de revelia;

4 - julgue a procedência do pedido ora deduzido, no sentido de condenar os demandados Roberto Pereira Peixoto, Maria Teresa Paolichi, e Júlio César Oliveira por ofensa ao art. 9º, inciso XII; art. 10, incisos IX, X, e XII; e art. 11, caput, e inciso I, todos da Lei n°. 8.429/92, impondo-lhes as sanções previstas no artigo 12, incisos I, II e III, do mesmo diploma legal.

5 - julgue a procedência do pedido ora deduzido, no sentido de condenar as demandadas Mayara Alabarque Vieira Rodrigues, Silvana Pieroni, Renata Aparecida Camargo Marques, Lara Priciliana Gonçalves da Silva Bento, por ofensa ao art. 11, caput, e inciso I, da Lei nº. 8.429/92, impondo-lhe as sanções previstas no artigo 12, inciso III, do mesmo diploma legal.

6 - Estabeleça que o montante das condenações seja atualizado monetariamente pelos índices oficiais de correção e acrescidos de juros de mora na taxa legal, a serem apurados na fase processual adequada.

Protesta-se pela produção de todos os meios de prova admitidos em Direito, mormente a prova documental e testemunhal.

Confere-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Taubaté, 04 de agosto de 2011.

JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA SAMPAIO

10º Promotor de Justiça

Marcelo Elias Vieira

Analista de Promotoria

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