Brasil x Portugal: simpatias e tensões

(joffreneto@joffreneto.com.br)


O assunto é delicado, exige aprofundamento, e por isso vou abordá-lo mais vezes. Como sempre, as primeiras observações sempre tem um pouco de provisórias e podem ser revistas, mas, depois desses meses aqui em terras lusas, já é possível apresentar algumas impressões que provavelmente serão confirmadas no futuro.

Normalmente não pensamos em Portugal como um país estrangeiro, muito menos o são para nós os portugueses. Portugal é o país de nossos bisavós, avós ou pais. De outro lado, raro são os portugueses que não têm um parente no Brasil, ou, no mínimo, não sonham em ir para lá gozar as férias ou mesmo morar na aposentadoria. Nossa música, nossas telenovelas e nossos assuntos são quase onipresentes. Nossa relação com os portugueses é afetiva-brincalhona, satírica até - em decorrência do espírito gozador brasileiro e da lógica peculiar deles e não, como reza o mito compensatório, da reciprocidade vinda das piadas que eles (não) contam de nós – mas nunca deliberadamente agressiva, afora os raros e eventuais exageros. São nossos “parentes que falam com sotaque”, por assim dizer.

Tudo isso leva o brasileiro a imaginar que há equivalência de percepção do outro lado do Atlântico. É comum, por exemplo, pensar que temos um papel, senão mesmo central, pelos menos de grande destaque na história lusa. Ledo engano. Para ilustrar, folheando um livro infantil de história portuguesa, encontrei escassas duas páginas, em 100, se referindo ao descobrimento do Brasil. Aliás, o 22 de abril, não obstante seja oficialmente, nos dois países, o Dia das Comunidades Luso-Brasileiras, “em Portugal a data passa despercebida, embora no Brasil seja comemorada com actos solenes organizados por associações e federações luso-brasileiras”, como informou o PortugalDiário, periódico local.

Aos poucos o imigrante brasileiro começa a notar um tratamento que tempera simpatia, principalmente entre os idosos e nos círculos mais íntimos e cultos da religião e da universidade, com desconfiança, e um certo azedume ríspido, da população menos instruída e mais jovem (é preciso dizer aqui, que é claro que não será isso que o turista vai perceber, nem os artistas que passam em breves excursões).

De longe somos o maior contingente de estrangeiros. Os imigrantes brasileiros legais são cerca de 100 mil, mas não seria exagerado pensar em um número três vezes maior. Há desemprego e os brasileiros são encarados como concorrentes, principalmente porque se sujeitam a salários de 500 euros (meros 1.500 reais), que são considerados muito baixos para os padrões locais.

Nestas últimas semanas dois fatos chamaram a atenção e indignaram a comunidade brasileira. Primeiro, um partido de extrema direita fez um escarcéu, com direito a protesto na via pública contra “os invasores brasileiros” porque uma cidadezinha de 5.000 habitantes, Vila do Rei, “importou” quatro famílias de Maringá, no Paraná, num programa de repovoamento do município, que corre o risco de se extinguir. Segundo, no início do mês, o presidente dos Sindicatos dos Profissionais de Polícia, declarou, raivoso, que “antes de haver imigrantes brasileiros não havia assaltos nos semáforos”.

Ou seja, lenta e perigosamente parece estar se formando no insconciente coletivo português a imagem que o Brasil é uma ameaça. O simples fato de sermos 180 milhões – e crescendo, contra 10 milhões deles – em diminuição, assusta. Não será por acaso que 65% das expulsões de estrangeiros no último ano foram de brasileiros. “O Brasil é referido no Relatório Anual de Segurança Interna como um dos países que representam mais risco migratório para Portugal”, informou também o PortugalDiário. Já é hora de o governo brasileiro se mobilizar de forma mais efetiva.

CONEXÃO EUROPA tem o apoio dos seguintes amigos: Jornal Matéria Prima; Da. Maria Conceição Prado; Feijões Tarumã; Prolim; ThyssenKrupp-Autômata; Arq. Carlos Armando Gallão Júnior; Taubaté Shopping; Milclean; Dr. Rubens Monteiro; Ortopedia Rita de Cássia e Assintel.

Comentários

Anônimo disse…
Joffre,
Interessante este ponto de vista, porque apesar de eu cnsiderar Portugal um pais europeu, nada tendo de "irmão" com o nosso Brasil de hoje, vejo sim algumas similariedades no modo dos dois paises. Quanto a questão do preconceito já alguns filósofos pós modernos chamavam a atenção para tal tendência no mundo de hoje. Pois com a globalização e a migração de pessoas mais pobres para paises mais ricos com certeza a concorrência e o modo de vida distinto geram inumeros atos de incompreensão, intolerância e estranheza. pobre de nós brasileiros, na maioria trabalhadores e honestos, que mesmo pobres, sem ter o que comer, jamais pensam em roubar!!!
Juliana Iorio disse…
Fiquei curiosa em ler o seu artigo depois que ví ter sido retirado de uma comunidade no Orkut. Acho que trata-se de um artigo científico, que nada teve de ofensivo para ter sido retirado da referida comunidade. Não que eu concorde com tudo que nele venha escrito, afinal somos seres pensantes e cada um pensa de uma maneira (Graças à Deus!) mas que não entendi pq a dona da comunidade retirou seu artigo, não entendi!
Juliana
Anônimo disse…
Joffre,

Muito interessante as sua observações. Sinto a mesma coisa, e temo que no futuro a xenofobia cresça a tal ponto que seja difícil uma convivência amigável.
Tenho estado frequentemente em Portugal e fico em estado de choque quando assisto a SIC e vejo o conteúdo anti-brasileiro. Sempre as prostitutas, sempre os brasileiros fazendo arruaça. Me sinto envergonhada e injustiçada. Apesar de ser obviamente uma tendência de preconceito contra imigrantes, me parece politicamente incorreto o modo que a imagem do Brasil é veiculada por aí. E pior, não vejo nenhuma reação de orgãos oficiais brasileiros se pronunciarem. É realmente uma pena. Abraços!

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